James E. Lovelock :
Nascido em 26 de julho de 1919, James Ephraim Lovelock é um pesquisador independente e ambientalista que vive na Cornualha (oeste da Inglaterra). A hipótese de Gaia foi sugerida por Lovelock, com base nos estudos de Lynn Margulis, para explicar o comportamento sistêmico do planeta Terra. A Terra é vista, nesta teoria, como um superorganismo.
Autor da Teoria de Gaia, James Lovelock era herói dos ecologistas. Agora ele causa polêmica ao defender que só usinas nucleares podem nos livrar de um desastre
(Por Eduardo Szklarz - Superinteressante (Brazil) - December 2004)
Quem diria. A energia nuclear, alvo histórico dos protestos ambientalistas, pode ser a chave para nos salvar do aquecimento global. Mais surpreendente ainda: quem defende a idéia é o inglês James Lovelock, uma espécie de guru dos ecologistas. Aos 84 anos, o cientista afirma que precisamos interromper imediatamente a queima de combustíveis fósseis, que piora o efeito estufa. "A única forma de energia imediatamente acessível que não causa aumento de temperatura é a nuclear. Não temos tempo para experimentar", diz. A idéia logo foi rechaçada por organizações ambientais como Greenpeace e Amigos da Terra. E fez o cientista ver renegado o apelido que ganhou da revista New Scientist: "Gandhi da ciência".
Na teoria que o consagrou, Lovelock descreve a Terra como uma espécie de superorganismo formado pela superfície, ar e oceanos. O planeta funcionaria como um sistema vivo capaz de regular a composição atmosférica, o clima e a salinidade dos mares, o que o manteria sempre adequado para a vida. Fez um baita sucesso com os verdes. O problema é que agora o aquecimento global agiria como uma armadilha para Gaia: o calor proveniente do efeito estufa gera ainda mais calor, num círculo vicioso.
Químico com doutorado em medicina e biofísica, Lovelock foi um dos primeiros ambientalistas a falar do aquecimento global, num relatório elaborado em 1989 para o gabinete da primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher. Best sellers como As Eras de Gaia o tornaram um dos cientistas mais influentes do século 20, com títulos de doutor honoris causa em diversas universidades ao redor do mundo. Lovelock concedeu esta entrevista de sua casa em Launceston, na Inglaterra.
Por que usar energia nuclear e não outras formas tidas como ecologicamente corretas, como a eólica e a solar?
Seria ótimo se pudéssemos contar somente com essas fontes de energia, mas elas não satisfazem nossas necessidades. Se houvesse 1 bilhão de pessoas no mundo, bastaria usar as energias solar, eólica, hidrelétrica e uma quantidade modesta vinda da queima de madeira. Mas já somos mais de 6 bilhões e a população continua aumentando. A energia nuclear é limpa e não provoca aquecimento. Uma estação pode ser construída em três anos. É também uma fonte de energia altamente disponível, não está acabando nem ficando mais cara, como o petróleo.
Um desastre como o de Chernobyl, na União Soviética, não seria suficiente para banir as usinas nucleares?
Há muita mentira em torno desse assunto. De acordo com informes da ONU, houve 45 mortos em conseqüência da explosão do reator em Chernobyl. Quase todos eram trabalhadores da usina, bombeiros e integrantes das equipes que sobrevoaram o fogo para apagá-lo. Os 45 morreram principalmente devido à radiação recebida pelo reator aberto e pelos escombros altamente radioativos que se espalharam ao redor dele. Aqueles que moravam perto da usina foram expostos à radiação, mas continuam vivos. É verdade que alguns podem morrer antes do esperado com cânceres provocados por radiação, mas lembre-se: em 1952, 5 mil pessoas morreram em Londres, num único dia, envenenadas por fumaça de carvão. Estima-se que centenas de milhares morreram desde então em decorrência de câncer do pulmão causado pela inalação de substâncias cancerígenas na fumaça. Mas a mídia não fala da queima de carvão como causa massiva de tumores.
Por que, então, há tanta oposição ao uso da energia nuclear?
As pessoas sempre têm medo de algo. Antes, eram fantasmas e vampiros. Hoje, energia nuclear. A oposição baseia-se numa ficção hollywoodiana, na mídia e em lobbies do movimento verde.
Você sempre foi considerado um guru dos ecologistas e agora não perde uma oportunidade para criticá-los. Qual é o motivo desse desentendimento?
Os verdes são importantes, mas estão errados. Eles se preocupam com as pessoas e esquecem da saúde da Terra. Não percebem que somos parte do planeta e dependemos dele. Eu mesmo sou um verde, mas tento mostrar que estão errados sobre energia nuclear.
Ao quebrar átomos, as usinas nucleares não alteram o equilíbrio de Gaia?
Ao contrário. Se você olhar para o Universo, verá que sua energia natural é nuclear. Toda estrela é uma estação nuclear, inclusive o Sol. O único método anômalo de obtenção de energia é a queima de combustíveis aqui na Terra. É muito mais natural usar energia nuclear do que queimar carvão e mandar gás carbônico para a atmosfera.
Você pede o fim da queima de óleo e carvão. Mas muitos países, como o Brasil, têm na água a maior fonte de energia. Como a troca que você propõe mudará um quadro com tantas variáveis?
Concordo que diferentes países terão soluções distintas para o problema. Mas, no momento, usar energia nuclear é a saída mais acessível e realista para o aquecimento global. Estados Unidos, China e Europa precisam cortar imediatamente 60% do combustível fóssil queimado para não termos conseqüências desastrosas. Segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, a temperatura no planeta aumentará em média 3,5 graus até 2100. Para comparar, na última era do gelo, que terminou há 12 mil anos, a média de temperatura era 3,5 graus menor que em 1900. Ou seja: a mudança até 2100 será comparável àquela entre a era do gelo e 1900. A floresta amazônica não existia naquele tempo. E ela pode também não existir no fim deste século.
Basear a eletricidade em energia nuclear não provocará uma exploração desenfreada de urânio que ameaçaria a natureza de países como o Brasil?
Não, porque as quantidades são pequenas. Um quilo de urânio produz aproximadamente 10 milhões de vezes mais energia que a mesma quantidade de carvão ou petróleo. Na verdade, o Brasil poderia ter benefícios econômicos com a mudança, tornando-se um grande provedor mundial de urânio.
E o que faremos com o lixo atômico?
O volume de lixo atômico de alto nível produzido pelas usinas nucleares do Reino Unido, em seus 50 anos de atividade, equivale a 10 metros cúbicos. É tamanho de uma casa pequena. Se colocado numa caixa de concreto, esse lixo seria totalmente seguro e a perda de calor ainda poderia ser aproveitada para aquecer minha casa.
As usinas nucleares não podem se tornar alvo preferencial de terroristas?
Não creio. As estações nucleares estão localizadas em construções fortes. Parecem mais bunkers que edifícios normais. Tenho informações de que elas podem suportar o choque de um avião, por exemplo. O grande perigo em relação aos terroristas é que eles roubem plutônio ou urânio em quantidade suficiente para fazer uma bomba atômica rudimentar. Enormes estoques desses elementos foram armazenados na Europa, na ex-União Soviética e Estados Unidos durante a Guerra Fria.
Você acredita que as multinacionais do petróleo podem encampar sua proposta e produzir energia nuclear?
Certamente. Elas não se consideram companhias de petróleo, e sim energéticas. Não lhes importa de onde a energia vem, mas o lucro que conseguem nesse preocesso. Creio que elas poderiam, inclusive, investir na construção e operação de usinas nucleares.
James Lovelock
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• Tem quatro filhos e nove netos .
• A organização de sua lotada agenda é feita pela mulher, Sandy, que mudou duas vezes a data da entrevista com a Super .
• Gosta de escutar óperas de Wagner e Verdi .
• Tem mais de 50 inventos patenteados. O mais importante deles é o Electron Capture Detector, uma caixinha capaz de medir poluição .
• Acorda às 6 da manhã para escrever um livro sobre o aquecimento global e a energia nuclear .
(Isabela)
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